Nesses últimos dias tenho passado um bom tempo organizando e catalogando minhas tintas para colocá-las na página da minha coleção. A ideia é possibilitar a consulta de várias tintas e compará-las com outras, além de também mostrar um link para onde comprá-las.
Durante o processo, eu tive diversas frustrações com algumas propriedades das tintas que eu tive que descobrir na tentativa e erro. Foi aí que eu vi a necessidade de estudar um pouco sobre a química das tintas e como cada um desse efeitos acontecem.

Decidi começar pelos principais componentes das tintas e por quais propriedades cada um deles é responsável. Os componentes da tinta são agrupados em: água, corantes, veículos e aditivos.
Corantes
O corante é a substância que dá a cor para tinta. Para canetas-tinteiro, o corante precisa especialmente de duas características: ser completamente solúvel em água sem que ele caia da solução com o tempo e também não seja reativo para os materiais usados em canetas-tinteiro.
É por isso que tintas como nanquim não devem ser usadas com canetas-tinteiro: elas são feitas com pigmentos, que são partículas suspensas em água. Com o tempo elas caem e podem entupir o alimentador. Outras tintas, como as ferrogálicas antigas1, podem acabar por corroer partes da caneta.
A quantidade de corante determina a intensidade da cor: mais corante, a cor da tinta será mais saturada, mais vibrante. O efeito colateral é tornar a limpeza da caneta2 mais difícil. As tintas produzidas pelas fabricantes de canetas-tinteiro costumam ser menos saturadas por esse motivo.

É o corante que também dará outras características para a tinta, como ela ser à prova d’àgua, permanente3 ou tornar ela reluzente.
Veículos
Os veículos agrupam os componentes responsáveis pelo transporte do corante. Isso é feito pelo controle da evaporação e tensão superficial da água. Você pode saber mais sobre como isso funciona no artigo sobre penas e alimentadores.
Os principais veículos são o umectante e o surfactante.
Umectante
O umectante é responsável pelo controle da evaporação da água. Ele retém as moléculas e impede que a água da tinta evapore. Assim, quanto mais umectante na tinta, mais tempo ela leva para secar. Esse controle é necessário para impedir que a tinta seque na pena ou a água evapore completamente sem que seja absorvida pelo papel.
Uma tinta com mais umectante também é mais viscosa. É a alta viscosidade que dá a sensação de uma tinta lubrificada. Mas também acaba atrapalhando o fluxo de tinta do reservatório para a pena.
Surfactante
Já o surfactante é responsável pela tensão de superfície da água. Canetas-tinteiro funcionam por capilaridade.4
A tensão de superfície da água é muito alta para o uso em canetas-tinteiro, cerca de 73 dinas/cm. Tintas para caneta-tinteiro estão na casa de 38 à 45 dinas/cm. Menos que isso e o líquido escorreria sem controle pela pena.
Se você já limpou sua caneta e tentou “escrever” com a água deve ter percebido que há pouco ou nenhum fluxo da pena para o papel. A função do surfactante é diminuir essa tensão, possibilitando que a tinta saia do reservatório e chegue até a página. Isso faz com que a tinta seja mais fluida. Mas também aumenta o risco de feathering, ou o espalhamento da tinta pelas fibras do papel.
Com pouca tensão superficial, a tinta penetra e se espalha por capilaridade pelas fibras e acaba deixando uma linha pouco definida.
Dá para perceber que balanço entre o umectante e o surfactante é extremamente importante. Esse equilíbrio é responsável pela suculência, fluidez, tempo de secagem e interação da tinta com o papel.
Algumas linhas de tintas, como a Iroshizuku, são conhecidas por serem bem suculentas. Nem sempre ser super fluido é a melhor opção. Para canhotos, ou quem não tem controle da qualidade do papel utilizado, uma tinta com secagem mais rápida é o ideal para diminuir borrões e feathering.
Aditivos
Os aditivos são componentes extras que adicionam outras características às tintas. O principal deles é o fungicida, presente em praticamente todas as tintas. Os outros são mais exóticos.
Fungicidas
Tintas podem ser um prato cheio para mofo. Bastante água, ficam em ambiente escuro e alguns dos componentes5 servem de alimento. Daí é extremamente importante ter um fungicida para evitar o crescimento do fungo.
Glitter
Algumas tintas possuem partículas de algum metal para dar um efeito de glitter. Essas partículas ficam suspensas na tinta, mas geralmente são pequenas o bastante para não entupirem a caneta. Mesmo assim, elas são mais difíceis de se limpar. O glitter costuma ser dourado ou prateado.
Fragrância
Algumas raras tintas também possuem fragrância na fórmula, como a Montblanc James Purdey & Sons que além de ter cor também tem cheiro de uísque.
E esses são os principais componentes básicos da grande maioria das tintas de canetas-tinteiro. Mas existem tintas que fogem um pouco dessa fórmula, apesar de serem mais raras. Dessas, as principais são as ferrogálicas e as de nanopigmentos.
Ferrogálicas
As tintas ferrogálicas são feitas basicamente6 de um sal de ferro, normalmente sulfato de ferro7, e ácidos tânicos. A mistura gera uma tinta roxa escura, quase preta.
As fórmulas antigas, por causa do ácido, causavam corrosão nas páginas e também nas penas e mecanismos de canetas-tinteiro.
As fórmulas modernas são mais seguras, tanto para papel como para a caneta. Algumas tintas ferrogálicas comuns são a Pelikan 4001 Blue Black ou a Platinum Blue Black e elas podem ser usadas sem nenhum problema com canetas-tinteiro.
Tintas ferrogálicas são usadas quando se quer uma tinta permanente. A tinta mancha o papel de uma forma que é extremamente difícil remover, diferente das feitas com corante. Outra coisa interessante delas é que elas mudam de cor com o tempo, por causa da oxidação do ferro.
Nanopigmentadas
Também fugindo do padrão, as nanopigmentadas utilizam pigmentos em vez de corantes. Mas, como o nome sugere, os pigmentos são pequenos o suficiente para não prejudicar o funcionamento das canetas-tinteiro.
As principais tintas desse estilo são as da linha Sailor Souboku e a Platinum Carbon. As vantagens são resistência à água e também são conhecidas por gerarem pouco feathering.
Depois de estudar sobre tudo isso eu pude analisar o meus processos e entender melhor como extrair cada propriedade das tintas que quero mostrar.
Propriedades
Além das propriedades citadas acima, como suculência, tempo de secagem e cor, as tintas também possuem outras características que as tornam diferentes. As que eu estou interessado para demonstrar na página de tintas são:
Brilho (Shimmer)
Esse tipo de brilho é causado pela adição de glitter na tinta. As partículas de metal refletem a luz e fazem com que a tinta brilhe. Onde há maior concentração das partículas, o efeito é maior. Para conseguir esse efeito é necessário agitar o vidro de tinta, pois com o tempo as partículas caem para o fundo do pote.
Estando na caneta, é preciso deixar a pena para baixo por um tempo antes de começar a escrever, bem como rotacionar levemente ela para misturar as partículas novamente.
Reluzência (Sheen)
A reluzência8 ou sheen é também uma espécie de brilho. A diferença é que nenhum elemento é adicionado na tinta para causar esse efeito. A reluzência depende do corante utilizado para fazer a tinta.
A reluzência na tinta acima é a parte em vermelho. A tinta, que normalmente é azul, fica com um reflexo onde corante não foi completamente absorvido pelo papel.
A cor da reluzência depende do corante. Na maioria dos casos, corantes azuis e verdes tentem a ter uma reluzência vermelha. Corantes roxos tem reluzência dourada. Laranjas tendem a reluzir verde.
Para o efeito ocorrer, é preciso um papel pouco absorvente e uma tinta que seja lenta para secar e não penetre tanto nas fibras do papel.
Sombreamento (Shading)
O sombreamento é a diferença de cor da tinta na escrita. É, pra mim, um dos maiores charmes das canetas-tinteiro. Durante a escrita, algumas partes das letras recebem mais tinta que outras, fazendo com que a tinta fique mais saturada de corante em algumas partes.
Tintas pouco saturadas são melhores para conseguir o sombreamento. Tintas saturadas também tem sombreamento, mas a diferença das cores é mais sutil. Uma pena que seja mais flexível também ajuda, já que nos riscos verticais fica mais fácil colocar mais tinta na página.
E essa foi a aventura para montar a página de demonstração das minhas tintas. Saber de tudo isso me deu uma vontade enorme de testar mais e mais tintas e tentar identificar as características das fórmulas. Quem saber até me aventurar e fazer minha própria tinta… Planos serão feitos!
Enquanto isso, confere lá minha galeria de tintas!
- Minabeko – Ink Primer https://www.minabeko.com/mainarticles/inkprimer
- Info Escola – Tintas https://www.infoescola.com/compostos-quimicos/tintas/
- Richard’s Pens – Inks: The Good, the Bad, and the Ugly http://www.richardspens.com/ref/care/inks.htm
- Glenn’s Pens – Ink http://www.marcuslink.com/pens/ink/index.htm
- Chemistry World – Ink Chemistry https://www.chemistryworld.com/news/ink-chemistry/3002158.article
- Jet Pens – The Beginner’s Guide to Fountain Pen Inks https://www.jetpens.com/blog/the-beginners-guide-to-fountain-pen-inks/pt/968
- Fountain Pen Network – Inky Recipes https://www.fountainpennetwork.com/forum/forum/126-inky-recipes/
- Penfountain – Fountain Pen Inks Aren’t All the Same https://penfountain.wordpress.com/2010/09/11/fountain-pen-inks-arent-all-the-same/
- Mountain of Ink – Shimmer Ink https://www.mountainofink.com/blog/shimmer-ink
As ferrogálicas modernas, no entanto, são muito seguras ↩
e dos seus dedos!↩
não sai nem com amônia ou alvejante↩
Sério, clica aqui para saber mais sobre o funcionamento de penas e alimentadores↩
como glicerina, que é usada principalmente como umectante↩
acidicamente, na verdade↩
sulfato ferroso pros químicos de plantão↩
Neologismo meu. É a propriedade de um objeto reluzente, que reluz↩